"Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão
mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham
despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade
jurídica.
Art. 150, VI, b e c, da CF: Maçonaria e Imunidade Tributária
(Transcrições)
(v. Informativo 582)
RE 562351/RS*
RELATOR:
Min. Ricardo Lewandowski
Relatório: Trata-se de recurso extraordinário
interposto contra acórdão que não reconheceu ao recorrente, Grande Oriente do
Rio Grande do Sul, a imunidade prevista no art. 150, VI, b e c, da Constituição
Federal.
Na origem, o ora recorrente ajuizou embargos à execução fiscal
buscando afastar a cobrança do IPTU pelo município de Porto Alegre.
O pedido
foi julgado improcedente.
Irresignado, interpôs recurso de apelação que
restou desprovido em acórdão assim ementado:
“APELAÇÃO CÍVEL EXECUÇÃO
FISCAL. EMBARGOS. IPTU. MAÇONARIA. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA E ISENÇÃO NÃO
CARACTERIZADAS.
Descabe o reconhecimento da imunidade tributária à Maçonaria,
na medida em que esse tipo de associação não se enquadra em nenhuma das
hipóteses previstas no art. 150, VI, alíneas ‘b’ e ‘c’, da Constituição Federal.
Descabe enquadrá-la como instituição de educação ou assistência social, na
medida em que estas desenvolvem uma atividade básica que, a princípio, deveria
ser cumprida pelo Estado, o que não é o caso da Maçonaria. Da mesma forma, não
se pode admitir seja a Maçonaria um culto na acepção técnica do termo. Trata-se
de uma associação fechada, não aberta ao público em geral e que não tem e nem
professa qualquer religião, não se podendo afirmar que seus prédios sejam
templos para o exercício de qualquer culto. Trata-se de uma confraria que, antes
de mais nada, professa uma filosofia de vida, na busca do que ela mesmo denomina
de aperfeiçoamento moral, intelectual e social do Homem e da Humanidade. Daí
porque, não incidentes, à espécie, as hipóteses previstas no art. 150, VI, ‘b’ e
‘c’, da CF.
Incabível, ainda, o pedido de isenção, não tendo a embargante
atendido aos requisitos contidos na Lei que concedeu a benesse.
APELAÇÃO NÃO
PROVIDA” (fl. 108).
Quanto à imunidade prevista no art. 150, VI, c,
concluiu o aresto impugnado que:
“De entidade assistencial ou educacional
não há falar.
A Maçonaria (...) é uma associação fechada, não aberta a
qualquer um que dela queira participar, a não ser submetido a um procedimento
prévio de apresentação do ‘profano’ por um maçom, cuja admissão e iniciação
depende da verificação de condições e requisitos essenciais estabelecidos pelo
denominado Regulamento Geral. Só podem ser admitidas pessoas do sexo masculino,
maiores de 21 anos, e através de escrutínio secreto por parte de todos os maçons
presentes, forma unânime. Em termos de assistência, esta fica restrita às
viúvas, irmãs solteiras, ascendentes e descendentes necessitadas de ‘justo’
auxílio dos irmãos. O que é ‘justo auxílio’, só os maçons podem
deliberar.
Com efeito, não há como considerar tal associação dentre aquelas
referidas na alínea ‘c’, do inciso VI, do artigo 150 da Constituição Federal.
Embora sem fins lucrativos, por certo não se trata de instituição de assistência
social ou educacional”.
No que diz respeito ao art. 150, VI, b,
assentou:
“Ora, não há falar em culto na acepção técnica do termo, como
quis a Carta Política. A prática Maçom é uma ideologia de vida. Não é uma
religião. Não tem dogmas. Não é um credo. É uma grande família apenas. Ajudam-se
mutuamente, aceitando e pregando a ideia de que o Homem e a Humanidade são
passíveis de melhoria e aperfeiçoamento. Como se vê, uma grande confraria que,
antes de mais nada, prega e professa uma filosofia de vida. Apenas isto. De
certa forma, paradoxal, pois ao mesmo tempo em que prega esta melhoria e
aperfeiçoamento do Homem e da Humanidade, só admite em seu seio homens livres
(não mulheres) e que exerçam profissão (afirma que deve ser uma “profissão
honesta”) que lhes assegure meio de subsistência. Os analfabetos não são
admitidos, por não possuírem instrução necessária à compreensão dos fins da
Ordem”.
Contra essa decisão foi interposto este RE, fundado no art. 102,
III, a, da Constituição Federal, no qual o recorrente alega violação do art.
150, VI, b e c, da mesma Carta.
E sustenta, ainda, que:
“não se pode
instituir tributo sobre imóveis que abrigam templos de qualquer culto e/ou sobre
o patrimônio de entidades que pratiquem a assistência social, observados os
requisitos da lei, no caso aqueles indicados no artigo 14, incisos, I a II e §
2º, do Código Tributário Nacional.
Entende o recorrente que esses requisitos
foram integralmente comprovados nos termos da petição de fls. 61/62; primeiro,
porque não foram impugnados pelo Embargado; segundo, porque o Embargante se
propôs a fazer a prova; terceiro, porque o Juízo aceitou, nos termos do disposto
no artigo 302, segunda parte, do CPC, a veracidade do alegado” (fl.
176).
Asseverou, também, que:
“a maçonaria é, sim, uma instituição
filantrópica. Está assim no preâmbulo do Ato Constitutivo do GORGS (fls. 15, dos
autos em execução em apenso), e, pode-se afirmar, de quase todas, se não as
Potências maçônicas do Mundo” (fl. 185).
Sustentou, ademais,
que:
“há dentro da própria maçonaria controvérsia quanto o ser ou não ela
religião. Tem-se por majoritária, quase unânime o de não sê-lo na acepção mais
conhecida. Como concluiu o eminente relator de modo simples. Seria de dizer que
a maçonaria é a religião das religiões, pois vai além de exigir de quem nela é
admitida a crença em Deus, O Grande Arquiteto do Universo (GADU), expressão hoje
também já do domínio público, pois estimula no maçom o desenvolvimento da
religiosidade. Cada maçom deve ter as suas próprias convicções
religiosas.
(...)
A bibliografia maçônica é vasta em todo o mundo. Seu
estudo mostrará que a maçonaria, na noite dos tempos mais remotos ou mais
próximos, sempre esteve atrelada às religiões, desde a Mesopotâmia, às religiões
egípcias, aos Templários, aos Mosteiros que abrigavam os monges construtores, às
associações de construtores de catedrais (guildas)” (fls.
188-189).
Concluiu, assim, que os templos maçônicos e/ou lojas maçônicas
se incluem no conceito de “templos de qualquer culto” para fins do art. 150, VI,
b, da Constituição Federal.
O recorrido, em contrarrazões, manifestou-se pelo
não conhecimento do recurso e, caso conhecido, por seu desprovimento, sob o
argumento de que o pedido
“não se enquadra em nenhuma das hipóteses do
art. 150, inciso VI, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Maçonaria não é religião, não é culto, não é instituição de educação ou de
assistência social.
(...)
Ademais, a parte embargante-recorrente não
atende aos comandos editados pelos arts. 9º e 14 do CTN, combinados com o art.
146, II, da CRFB”.
A Procuradoria-Geral da República opinou pelo
conhecimento parcial do recurso e, nessa parte, por seu provimento (fls.
258-263), lavrando a seguinte ementa:
“RE. MAÇONARIA. IMUNIDADE DE IPTU.
TEMPLO E CULTO. IMPLICAÇÕES.
1. Mesmo que não se reconheça à Maçonaria
(Grande Oriente do Rio Grande do Sul) como religião, não é menos verdade que
seus prédios são verdadeiros Templos, onde se realizam rituais e cultos, sobre a
proteção de Deus, o Grande Arquiteto do Universo, objetivando elevar a
espiritualidade do homem, a ética, a justiça, a fraternidade e a paz
universal.
2. Seus Templos têm direito à imunidade de tributos, consoante o
art. 150, inc. VI, letra ‘b’, da Constituição Federal” (fl. 258).
É o
relatório.
Voto: Inicialmente assento que o apelo extraordinário não
merece conhecimento quanto ao art. 150, VI, c, da Constituição Federal, que
assim dispõe:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
(...)
c)
patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações,
das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de
assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”
(grifei).
Vale recordar, a propósito, que o Min. Maurício Corrêa, em voto
proferido no RE 202.700/DF, julgado pelo Plenário deste Tribunal, em 8/11/2001,
ao interpretar o aludido dispositivo em relação às entidades de assistência
social sem fins lucrativos, consignou que
“(...) o reconhecimento desse
direito está condicionado à observância dos preceitos contidos nos incisos I a
III do artigo 14 do Código Tributário Nacional. Resulta desse modo que o favor
constitucional não é absoluto e o seu deferimento, mesmo em face dos objetivos
institucionais da entidade, previstos em seus atos constitutivos (CTN, artigo
14, § 2º), poderá ser suspenso quando não cumpridas as disposições legais (CTN,
artigo 14, § 1º)”.
Diante do entendimento acima adotado, segue-se que a
exigência do cumprimento dos requisitos do art. 14 do CTN constitui conditio
sine qua non para o gozo da imunidade tributária outorgada pela
Constituição.
Assim, para se chegar à conclusão de o recorrente atende aos
requisitos da lei para fazer jus à imunidade prevista neste dispositivo,
necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos
autos.
Incide, nesse aspecto, a Súmula 279 do STF, segundo a qual, “para
simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.
Nesse sentido,
menciono os seguintes precedentes, entre outros: AI 673.173-AgR/MG, Rel. Min.
Eros Grau; AI 461.817-AgR/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa; RE 423.464-AgR/DF; Rel.
Min. Cezar Peluso; AI 559.488-AgR/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia.
Remanesce o
extraordinário, contudo, quanto ao art. 150, VI, b, da Carta Federativa,
verbis:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:
(...)
VI - instituir impostos sobre:
(...)
b) templos de
qualquer culto” (grifos nossos).
A questão central está, então, em saber
se a referência a “templos de qualquer culto” alcança a maçonaria.
Segundo
ensina Sacha Calmon Navarro Coelho
“Templo, do latim templum, é o lugar
destinado ao culto. Em Roma era lugar aberto, descoberto e elevado, consagrado
pelos augures, sacerdotes da adivinhação, a perscrutar a vontade dos deuses,
nessa tentativa de todas as religiões de religar o homem e sua finitude ao
absoluto, a Deus. Hoje, os templos de todas as religiões são comumente
edifícios. (...)
Onde quer que se oficie um culto, aí é o templo. No Brasil,
o Estado é laico. Não tem religião oficial. A todas respeita e protege, não indo
contra as instituições religiosas com o poder de polícia ou o poder de tributar
(...).
O templo, dada a isonomia de todas as religiões, não é só a catedral
católica, mas a sinagoga, a casa espírita kardecista, o terreiro de candomblé ou
de umbanda, a igreja protestante, shintoísta ou budista e a mesquita maometana.
Pouco importa tenha a seita poucos adeptos. Desde que uns na sociedade possuam
fé comum e se reúnam em lugar dedicado exclusivamente ao culto da sua
predileção, este lugar há de ser um templo e gozará de imunidade tributária”
(grifei).
Já Roque Antonio Carraza afirma que
“Esta imunidade, em
rigor, não alcança o templo propriamente dito, isto é, o local destinado a
cerimônias religiosas, mas, sim, a entidade mantenedora do templo, a
igreja.
(...)
É fácil percebermos que esta alínea ‘b’ visa a
assegurar a livre manifestação da religiosidade das pessoas, isto é, a fé que
elas têm em certos valores transcendentais. As entidades tributantes não podem,
nem mesmo por meio de impostos, embaraçar o exercício de cultos religiosos”
(grifos nossos).
No julgamento do RE 578.562/BA, o Min. Eros Grau
assentou que
“O Supremo Tribunal Federal tem entendido que a limitação ao
poder de tributar, que a imunidade do artigo 150, VI, ‘b’, contempla, há de ser
amplamente considerada, de sorte a ter-se como cultos distintas expressões de
crença espiritual”.
Vale destacar também o quanto concluiu o Min. Ayres
Britto naquele julgamento:
“tendo a interpretar a regra constitucional da
imunidade sobre os templos de qualquer culto como uma espécie de densificação ou
de concreção do inciso VI do art. 5º da mesma Constituição, cuja dicção é
esta:
‘ART. 5º.
(...)
VI- é inviolável a liberdade de consciência e de
crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de cultos e as suas liturgias;(...)’
Uma
coisa, portanto, puxando a outra”.
Verifico, assim, que referido
dispositivo (art. 5º, VI, da Constituição Federal) é expresso em assegurar o
livre exercício dos cultos religiosos. E uma das formas que o Estado estabeleceu
para não criar embaraços à prática religiosa foi outorgar imunidade aos templos
onde se realizem os respectivos cultos.
Nesse sentido, estamos a falar em
imunidade tributária com o intuito de não criar embaraços à liberdade de crença
religiosa.
Por isso mesmo, grifei, nas citações doutrinárias e na
jurisprudência mencionadas, a referência a que sempre se faz à religião, quando
se aborda a imunidade estabelecida no art. 150, VI, b, do Texto
Constitucional.
E qual a razão de a liberdade de consciência não ter sido
“beneficiada” por tal imunidade tributária?
Nas lições do já citado professor
Carrazza, citado inclusive pelo recorrente para fundamentar sua
pretensão:
“A imunidade em tela decorre, naturalmente, da separação entre
Igreja e o Estado, decretada com a Proclamação da República.
Sabemos que,
durante o Império, tínhamos uma religião oficial: a religião católica apostólica
romana. As outras religiões eram toleradas, mas apenas a católica recebia
especial proteção do Estado.
(...)
Muito bem, com a proclamação da
República, que se inspirava no positivismo de Augusto Comte, foi imediatamente
decretada a separação entre a Igreja e o Estado. O Estado tornou-se laico.
Deixou de dispensar maior proteção a uma religião em particular (ainda que
majoritária), para tolerar todas elas.
Evidentemente, o Estado tolera todas
as religiões que não ofendem a moral, nem os bons costumes, nem, tampouco, fazem
perigar a segurança nacional. Há, no entanto, uma presunção no sentido de que a
religião é legítima, presunção, esta, que só cederá passo diante de prova em
contrário, a ser produzida pelo Poder Público.
Graças a esta inteligência,
tem-se aceito que também são templos a loja maçônica, o templo positivista e o
centro espírita” (grifei).
Ora, em que pese o brilhantismo do raciocínio
desenvolvido pelo eminente tributarista, entendo que a conclusão a que ele chega
não pode prevalecer.
Isso porque, assim como o fazem muitos outros
doutrinadores, entendo que a interpretação do referido dispositivo deve ser
restritiva, atendendo às razões de sua cogitação original.
As liberdades,
como é sabido, devem ser interpretadas de forma extensiva, para que o Estado não
crie qualquer óbice à manifestação de consciência, como é o caso sob exame,
porém, às imunidades deve ser dado tratamento diametralmente oposto, ou seja,
restritivo.
Nessa linha, penso que, quando a Constituição conferiu imunidade
tributária aos “templos de qualquer culto”, este benefício fiscal está
circunscrito aos cultos religiosos.
Corroborando, ainda, tal raciocínio,
trago à colação o esclarecimento, colhido do sítio eletrônico da Grande Loja
Maçônica do Estado do Rio Grande do Sul, quanto à natureza das atividades que
ela desenvolve:
“A Maçonaria é uma Ordem Iniciática mundial. É
apresentada como uma comunidade fraternal hierarquizada, constituída de homens
que se consideram e se tratam como irmãos, livremente aceitos pelo voto e unidos
em pequenos grupos, denominados Lojas ou Oficinas, para cumprirem missão a
serviço de um ideal. Não é religião com teologia, mas adota templos onde
desenvolve conjunto variável de cerimônias, que se assemelha a um culto, dando
feições a diferentes ritos. Esses visam despertar no Maçom o desejo de penetrar
no significado profundo dos símbolos e das alegorias, de modo que os pensamentos
velados neles contidos, sejam decifrados e elaborados. Fomenta sentimentos de
tolerância, de caridade e de amor fraterno. Como associação privada e discreta
ensina a busca da Verdade e da Justiça” (grifos meus).
Verifico, então,
que a própria entidade declara enfaticamente não ser uma religião e, por tal
razão, parece-me irretocável a decisão a quo, a qual, quanto ao tema
consignou:
“A prática Maçom é uma ideologia de vida. Não é uma religião.
Não tem dogmas. Não é um credo. É uma grande família apenas. Ajudam-se
mutuamente, aceitando e pregando a idéia de que o Homem e a Humanidade são
passíveis de melhoria e aperfeiçoamento. Como se vê, uma grande confraria que,
antes de mais nada, prega e professa uma filosofia de vida. Apenas isto. De
certa forma, paradoxal, pois ao mesmo tempo em que prega esta melhoria e
aperfeiçoamento do Homem e da Humanidade, só admite em seu seio homens livres
(não mulheres) e que exerçam profissão (afirma que deve ser uma ‘profissão
honesta’) que lhes assegure meio de subsistência. Os analfabetos não são
admitidos, por não possuírem instrução necessária à compreensão dos fins da
Ordem”.
Por essas razões, conheço parcialmente do recurso extraordinário
e, nessa parte, nego-lhe provimento.
É como voto".