Quase dez meses após a Receita Federal ter elaborado, junto com
contribuintes, um anteprojeto de lei para estabelecer regras de
fiscalização para planejamentos tributários, especialistas querem
retomar o debate para que a proposta - que chamam de "norma geral
antiabusiva" - possa ser encaminhada ao Congresso. "São sugestões
formuladas em conjunto pelos setores público e privado. A demanda pelo
estabelecimento de critérios é de todos", diz Eurico De Santi, professor
e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas
(NEF-FGV).
Apesar da concordância da necessidade de regras claras sobre o tema,
dois projetos de lei que regulamentam a elisão - uso de brechas na
legislação para economizar tributos - estão parados no Congresso
Nacional. Um dos projetos é de autoria do Executivo. O outro é do
deputado Flávio Dino (PC do B-MA). Eles foram apresentados à Câmara dos
Deputados em 2007, mas até hoje passaram apenas por uma das quatro
comissões pelas quais devem tramitar. A regulamentação do artigo 116 do
Código Tributário Nacional (CTN), prevista nos projetos, é esperada há
dez anos, desde a edição da Lei Complementar nº 104, que deu competência
para o Fisco desconsiderar operações ou negócios realizados com o
intuito de evitar ou reduzir impostos.
Segundo especialistas ouvidos pelo Valor, a proposta
- finalizada em dezembro por advogados, professores, auditores fiscais e
procuradores da Fazenda Nacional que participaram do Seminário
Internacional da Norma Geral Antielisão - está quase madura para que o
governo trabalhe em uma lei. A Receita Federal informou que não comenta
projetos.
Pela sugestão, o contribuinte seria submetido voluntariamente a um
sistema chamado de "disclosure". Isso significa que os planejamentos
tributários poderiam ser abertos previamente ao Fisco que teria cinco
anos para analisá-lo. Segundo o tributarista Marcos Vinícius Neder de
Lima, do Trench, Rossi e Watanabe Advogados, o procedimento - adotado
por países como Estados Unidos e Holanda -- seria vantajoso para todos. O
Fisco teria informações suficientes para separar o joio do trigo, ou
seja, o contribuinte que planejou para ter eficiência nos negócios e
aquele que fraudou ou simulou a operação com o propósito de pagar menos
tributo. Para ele, o contribuinte teria o benefício da segurança
jurídica de uma análise prévia da operação.
O advogado afirma que o sistema teria impacto positivo para os
maiores contribuintes - cerca de 10 mil empresas que representam 75% da
arrecadação. "Sinto que não há uma tendência agressiva por parte dessas
empresas. Elas organizam o negócio de maneira eficiente, mas respeitando
as diretrizes. O problema é que as regras não são claras", diz Neder,
que deixou o cargo de subsecretário de fiscalização da Receita Federal
em dezembro, após 25 anos no órgão.
Outra novidade da proposta é o contribuinte poder recorrer a um
comitê especializado na análise de planejamentos tributários, se não
concordar com o Fisco. Haveria ainda isenção de multa de mora para o
pagamento do débito se a opinião do Fisco prevalecesse. "Seria uma
maneira de privilegiar quem não quer simular operações e uma
oportunidade de eliminar litígios", afirma a conselheira da Câmara
Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Karem
Jureidini Dias, sócia do Rivitti e Dias Advogados. A partir da decisão
do comitê, o contribuinte teria um mês para quitar ou parcelar o débito.
Caso contrário, ficaria submetido ao pagamento com multa de ofício de
até 75%.
As sugestões apresentadas à Receita, no entanto, não são aprovadas
por todos que participaram do debate. O jurista Heleno Torres, por
exemplo, classifica o procedimento sugerido de "denúncia espontânea
preventiva". Para o professor de direito tributário da Universidade de
São Paulo (USP), o projeto não está em conformidade com uma norma
antielisiva efetiva porque dá poder ao Fisco ao invés de estabelecer
critérios para a fiscalização. "É uma intromissão do Estado na liberdade
da empresa em realizar o negócio que quiser, impedindo a
auto-organização e a autonomia privada", diz Torres que considera a
ausência de regulamentação de uma norma antielisão a grande deficiência
do direito tributário brasileiro. Embora veja com bons olhos a criação
de um conselho especializado, ele afirma que a noção ampla de
planejamento traz em si o perigo de engessamento do entendimento sobre a
legalidade da operação.
Segundo a proposta, o comitê faria parte do Ministério da Fazenda e
teria dez membros - cinco representantes da Receita e cinco dos
contribuintes, mas um auditor fiscal teria direito ao desempate pelo
voto de qualidade. Os planejamentos considerados abusivos seriam
divulgados na internet. A intenção é abreviar o tempo de criação de uma
jurisprudência. "O Carf faz isso hoje, mas um processo lá demora, em
média, quatro anos e meio para ser julgado. Na Câmara Superior, seis
anos. Indo à Justiça pode-se levar dez anos", diz Neder. Ele diz que,
dos cerca de 200 mil processos que tramitam no Carf, cem discutem a
legalidade de planejamentos tributários.
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