terça-feira, 30 de agosto de 2011

Receita Federal quer responsabilizar OAB-SC por contribuição previdenciária de advogados

A falta de pagamento de contribuições previdenciárias de advogados dativos levou a Receita Federal a autuar a seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB-SC) em R$ 22 milhões. A entidade contesta a cobrança ao alegar que não seria responsável pelo recolhimento. Por causa da inexistência de Defensoria Pública no Estado, a Ordem fechou um convênio, em 1997, com o governo catarinense para que advogados particulares prestem assistência jurídica gratuita à população carente. A questão discutida no processo, que tramita no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), é de quem seria a responsabilidade pelo pagamento.
Para a 5ª Turma de Julgamento da Delegacia da Receita Federal em Florianópolis, o Estado é quem deve recolher a contribuição previdenciária. A procuradoria do Estado recorreu da decisão. Segundo Luiz Augusto de Souza Gonçalves, chefe da Delegacia da Receita Federal na capital catarinense, a autuação leva em conta que a OAB é a prestadora do serviço. "É uma matéria muito complicada, mas alguém deve pagar a conta", diz Gonçalves.
De acordo com o tributarista Leonardo Mazzillo, do WFaria Advocacia, a Lei nº 8.212, de 1991, determina que o tomador do serviço deve recolher os 20% de contribuição ao INSS e reter os 11% dos valores pagos por meio do Recibo de Pagamento à Autônomos (RPA). "Não faria muito sentido querer transferir esse ônus à OAB, que figura apenas como intermediária na relação entre Estado e advogados autônomos. Se o Estado tivesse constituído uma Defensoria Pública, igualmente teria de pagar os encargos previdenciários em relação a seus próprios funcionários", afirma. O advogado Guilherme Romano Neto, do escritório Décio Freire & Associados, concorda. "O dinheiro é público, provém do Estado, via arrecadação de tributos. À OAB cabe, somente, eventual tributação sobre a parte que lhe cabe", diz.
O convênio, firmado pela Lei Complementar nº 155, de 1997, prevê que a OAB retenha 10% do valor repassado para cobrir custos administrativos. Mensalmente, o governo catarinense destina cerca de R$ 2,4 milhões para o desenvolvimento do trabalho dos oito mil advogados dativos cadastrados no programa.
O governo de Santa Catarina informou que não foi notificado do processo. Mas, com a decisão desfavorável em primeira instância, já provisiona recursos para restituir os cofres federais em uma eventual condenação. Dois decretos de 2010 determinam que 30% do repasse mensal seja depositado em uma conta especial. De acordo George Zaccarão, gerente da Defensoria Dativa em Santa Catarina, o montante arrecadado também poderá ser usado pela OAB caso ela seja condenada a arcar com as contribuições atrasadas. "Um dos decretos possibilita o repasse do provisionamento à entidade", diz.
Antes disso, o governo catarinense e a OAB tentarão anular a autuação com o argumento de que o pagamento não tem caráter de remuneração, e sim, de indenização. O raciocínio elaborado é de que os advogados dativos seguem os honorários da Defensoria Pública, que representam 20% das remunerações mínimas listadas na tabela da OAB. "O INSS incide sobre a remuneração. Dessa forma, estamos isentos", afirma Zaccarão. Para o presidente da OAB-SC, Paulo Roberto de Borba, os salários dos advogados não são passíveis dessa cobrança. "Essa dívida não existe", diz.
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) diz que ainda não foi acionado para avaliar uma eventual cobrança. No entanto, o diretor de controle da administração estadual do TCE, Névelis Scheffer Simão, diz que poderá tomar providências caso o governo tenha que pagar as contribuições em atraso. "O TCE vai apurar o caso para responsabilizar o agente público que deu causa a esse prejuízo. É uma omissão", afirma.
Desde 2007, o órgão tem apontado falhas na prestação de contas do governo catarinense no que diz respeito aos gastos com os defensores dativos. Segundo o tribunal, o balanço contábil omite a atualização da dívida com os advogados. Isso quer dizer que não há o registro em balanço do passivo gerado a partir da prestação do serviço até o pagamento da remuneração do defensor. "É um fluxo de caixa que muda diariamente e deve ser atualizado", diz Simão. Segundo ele, o TCE fez recomendações ao Estado em 2007 e 2008. Em 31 de agosto de 2009, houve o registro de débito de R$ 58 milhões com os advogados. No ano passado, o valor não foi atualizado e o TCE fez ressalvas à contabilidade.

Fonte: Jornal Valor Econômico

PS>> Algumas observações considero pertinentes para análise da questão à luz de nosso ordenamento jurídico (uma coisa é o que a Autoridade Tributária pretende - receber seu crédito tributário seja de quem for - e outra é o que o ordenamento jurídico apregoa) :
1º) Sabe-se que em matéria de sujeição passiva tributária (parágrafo único do artigo 121 - CTN) teremos as "figuras" do contribuinte (aquela pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, que pratica, de forma "pessoal e direta", o fato gerador da respectiva obrigação tributária) e do responsável (aquele que, sem revestir a condição de "contribuinte", sua obrigação pelo crédito tributário decorre de previsão expressa em lei).
2º) Vejamos que a responsabilidade tributária somente poderá despontar mediante expressa previsão em lei (art. 128/CTN), e, ainda assim, desde que o terceiro, eleito pela lei como suposto 'responsável', tenha alguma ligação (ainda que indireta) com o fato gerador da respectiva obrigação tributária (p.ex.: seja ele a fonte pagadora, quem desembolsa os recursos financeiros para pagamento ao fornecedor de produtos ou serviços). Se ele for mero intermediário (como, ao que parece, ser o caso da OAB) - entre a fonte pagadora e o prestador do serviços (no caso, os advogados "dativos"), mormente à transferência da verba pactuada entre o Estado de Santa Catarina e os advogados que se dispusaram a prestar o serviço - creio que a sujeição passiva (responsabilidade tributária) dependerá de expressa previsão na lei previdenciária (lei n.º 8.212/91).
3º) Outra observação que parece ser menosprezada ou esquecida pelo Fisco Federal é a de que a OAB não é "empregador" ou "patrão" de advogado nenhum (tampouco os remunera por labor profissional cujo encargo pertence aos Estados), não podendo a lei tributária alterar os efeitos próprios dos institutos do Direito do Trabalho (Direito Privado) - art. 110/CTN - para amplificar sujeições tributárias. Sequer, por analogia (art. 108, §1º, CTN).
4º) Por fim, é lamentável a afirmação técnica (ou melhor: digna do "senso comum"), de que 'alguém terá que pagar a conta'. Ora, vá atrás do Estado (fonte verdadeiramente "pagadora") ou dos prestadores de serviços (defensores dativos, individualmente). O que não prospera no mundo jurídico é o fato de a Fazenda Pública simplesmente escolher alguém para "pagar a conta" (à míngua de expressa disposição em lei), por questões de comodidade (arbitrariamente, inclusive). Lembrando, que na seara do Direito, somente a lei pode impor obrigações (arts. 5º, II e 150, I, CF/1988). Convênios, embora o Fisco "morra" de vontade que fossem "leis", não têm a eficácia normativa necessária e suficiente para implicar em casos de sujeição passiva tributária (art. 123/CTN).
5º) É preciso saber interpretar as normas de forma coerente e sistemática. Conhecer a Constituição Federal, para poder nutrir respeito por ela. Infelizmente, uma parcela significativa dos aplicadores da lei tributária não sabem nem o que estão fazendo (ou se sabem, desdenham do ordenamento jurídico, jungidos no frágil  e falacioso argumento de que o interesse meramente fiscal prepondera sobre o Estado de Direito).

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