quarta-feira, 21 de outubro de 2009

SERASA - proteção a créditos bancários e não fiscais

A banalização da expressão "interesse público" é fato cada vez mais recorrente e constitui tese muito prestigiada pelos órgãos jurídicos fiscais na defesa de leis manifestamente arbitrárias e no exercício de práticas abusivas aos direitos dos contribuintes, em detrimento, assim, do que dispõe a Constituição Federal de 1988. Principalmente, quando não dispõem, tais operadores do Direito, de argumentos jurídicos robustos que sustentem as medidas questionadas.

O noticiário cearense veicula comentários feitos por alguns parlamentares estaduais desprovidos do mínimo de conhecimento jurídico, os quais partem na defesa da inscrição de devedores do Fisco Estadual no SERASA, consoante prevê recente projeito (REFIS/2009) enviado àquela Casa Legislativa.
Os argumentos utilizados por tais representantes do povo cearense são os mais inconsistentes possíveis, do tipo: se o empresáriado está autorizadao a "colocar" no SPC ou no SERASA seus devedores, porque o governo também não poderia fazer o mesmo?
Prefiro transcrever a opinião do ilustre tributarista Hugo de Brito Machado, publicada no jornal O Povo, edição de hoje, sobre o tema:

"Contribuinte e Serasa
Serasa é uma empresa privada ligada ao setor bancário. Surgiu com o nome de Serviços de Assessoria S. A. Daí a sigla Serasa. Depois mudou seu nome para Centralizadora de Serviços dos Bancos, mas continuou com a sigla anterior com a qual se tornara conhecida em todo o País. Seu objetivo é manter um cadastro de pessoas que não pagaram suas dívidas e, com isto, facilitar a decisão da instituição financeira que deva considerar a credibilidade daquele que a procura para obter empréstimo.

A inscrição no cadastro da Serasa, de um contribuinte que tem débito seu inscrito em Dívida Ativa, configura indiscutível desvio de finalidade. Desvio de finalidade, sim, pois a finalidade desse cadastro é a proteção ao crédito, e a Fazenda Pública não contrata crédito com o contribuinte. Este se torna devedor do fisco pelo simples fato de exercer uma atividade econômica e não por haver tomado dinheiro emprestado.

A finalidade da inscrição do contribuinte inadimplente no cadastro da Serasa é criar para este um constrangimento que o obriga a pagar a dívida tributária sem questionar a legalidade de sua exigência. É uma verdadeira sanção política, entendida como tal qualquer providência que seja um meio de obrigar o contribuinte, por via oblíqua, a pagar o tributo sem questionar a legalidade de sua exigência. E não se pode ignorar que o Supremo Tribunal Federal já afirmou serem inconstitucionais as sanções políticas, como se vê das súmulas 70, 323 e 547 de sua jurisprudência.

As sanções políticas são inconstitucionais porque a Constituição, além de garantir o livre exercício da atividade econômica, que em regra não depende de autorização de qualquer autoridade (art. 170, parágrafo único), diz expressamente que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, inciso XXXV). Por isto mesmo a Fazenda Pública deve cobrar seus créditos mediante execução fiscal, que abre oportunidade para a interposição de embargos nos quais o contribuinte pode submeter à apreciação do juiz possível ilegalidade que esteja a ocorrer na cobrança.

Registre-se que a Fazenda Pública dispõe de um cadastro para os seus devedores inadimplentes, denominado Cadine. Prefere, agora, o cadastro da Serasa exatamente porque a inscrição no Cadine não tem sido entendida pelo mundo empresarial como motivo para restrições ao crédito do inscrito, tendo em vista tratar-se de devedor de tributo que pode ter, e em muitos casos realmente tem, motivos para questionar a legalidade da exigência, não tendo o não pagamento de um tributo o mesmo significado que tem o não pagamento de uma dívida bancária. Vê-se, pois, facilmente, que esse preferência consubstancia desvio de finalidade e abuso de poder, mais uma forma de prepotência do fisco em suas relações com o contribuinte.

HUGO DE BRITO MACHADO Professor Titular de Direito Tributário da UFC Presidente do Instituto Cearense de Estudos Tributários hbm@hugomachado.adv.br "

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