segunda-feira, 8 de março de 2010

Depósito (prévio) recursal é inconstitucional, até em se tratando de multas de trânsito

Em tempos pretéritos, especialmente no âmbito tributário, nossos tribunais já  admitiram  a exigência de depósito prévio como requisito para o conhecimento de recursos administrativos (2ª Instância Administrativa). Trata-se do famoso depósito "garantidor de instância" administrativa, o qual nosso STF já decidiu, em pelo menos duas oportunidades, que a exigência deste depósito recursal administrativo era constitucional. Tais precedentes, favoráveis ao depósito, ocorreram em 1995, com o julgamento da Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.049-2 e em 1999, quando foram julgadas as ADINs 1.922-9 e 1.976-7.

A Suprema Corte entendeu, naquelas duas ocasiões, que não haveria  a garantia constitucional ao duplo grau de jurisdição administrativa, e que o órgão julgador de segunda instância administrativa poderia, até mesmo, deixar de existir através de uma "simples" lei.

Mas, felizmente, com o decurso de alguns anos, vilumbrou-se uma amplitude ao princípio constitucional do direito ao contraditório e à ampla defesa, reconhecedora, inclusive, que a exigência administrativa em tela obsta o direito de peticionar aos órgãos públicos. A jurisprudência de outrora acabou por ser revisada. A título ilustrativo - julgados contrários à exigência de depósito prévio como pressuposto ao conhecimento de recursos administrativos - podemos referenciar (STF): AC 1887 MC/SP - São Paulo, Rel. Min. Carmem Lúcua, julgado em 29.04.2008; RE 504288 AgR/BA - Bahia, Rel. Min. Celso de Mello, j. em 29.05.2007; ADI 1074/DF - Distrito Federal, Rel. Min. Eros Grau, j. em 28.03.2007; RE 389383/SP - São Paulo, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 28.03.2007; RE 388359/PE - Pernambuco, Rel. Min. Marco Aurélio, j. em 28.03.2007, dentre outros numerosos em idêntico sentido...

Cremos que o tema daria ensejo, até mesmo, à edição de uma súmula vinculante, cujo enunciado poderia ser o seguinte (a título sugestivo, obviamente): "A exigência de depósito prévio, como condição de admissibilidade de recurso administrativo,  caracteriza desrespeito aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, além de obstar o direito de petição aos órgãos públicos".

Ainda em matéria tributária, e no âmbito infraconstitucional, o depósito recursal fere o disposto no artigo 151, inciso III, do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), o qual trata da suspensão do crédito tributário. Tal foi o entendimento espossado no Recurso Especial n.º 422.814, conforme segue:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO (ART. 151, III, DO CTN). DEPÓSITO PRÉVIO DE 30% PARA DAR SEGUIMENTO AO RECURSO (ART. 126, §1º DA LEI 8213/91, INTRODUZIDA PELA LEI 9528/97 E ALTERADO PELO ART. 10 DA LEI 9639/98. ILEGALIDADE. A exigência de prova de depósito prévio de 30%, imposta à pessoa jurídica, para dar seguimento a recurso interposto em processo tributário administrativo, nos termos do art. 10 da Lei 9639/98, é incompatível com o disposto no art. 151, inciso III do CTN.(Recurso improvido. RESP 422.814. Rel. Min. Gracia Vieira. 1.ª Turma. STJ. Unânime. Recorrente: INSS, Recorrida CIA. Açucareira Paraíso. DJU: 28/10/2002).


A melhor doutrina pátria há muito se posicionava no sentido acima - Hely Lopes Meirelles (Curso de Direito Administrativo. 29a ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2004. p.663): " Por garantia de defesa, deve-se entender não só a observância do rito adequado, como a cientificação do processo ao interessado, a oportunidade para contestar a acusação, produzir prova desse direito, acompanhar os atos da instrução, e utilizar-se dos recursos cabíveis" ... "Como regra geral, a interposição de recurso independede caução, mas a lei em sentido formal, poderá exigi-la ( artigo 56, §20, da Lei 9.784/99)".


Pois bem! Se no âmbito tributário cremos restar pacificada a controvérsia de outrora, nos demais ramos do Direito Público - Administrativo - iniciou-se idêntica "revisão jurisprudencial"; senão vejamos a seguinte notícia veículada pelo portal de notícias cearenses http://www.direitoce.com.br/:
Depois de reconhecer a inconstitucionalidade da exigência de depósito prévio para ingresso de recursos contra multas, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) encaminhou ofício aos órgãos e entidades do Sistema Nacional de Trânsito informando o novo entendimento. A medida, adotada após recomendação do Ministério Público Federal no Ceará (MPF/CE), vai beneficiar motoristas de todo o país.

A partir do recebimento do ofício do Denatran, os Conselhos Estaduais de Trânsito (Cetrans) deixarão de exigir dos motoristas depósito prévio para recursos contra multas. Em reunião realizada na manhã desta sexta-feira, 5 de março, na Procuradoria da República no Ceará, o presidente do Conselho Estadual de Trânsito do Ceará, Luiz Tigres, informou que o novo procedimento será adotado imediatamente após o recebimento do ofício.
De acordo com o procurador da República Oscar Costa Filho, autor da recomendação, os motoristas que recorriam de multas junto aos Conselhos Estaduais de Trânsito (Cetrans) eram obrigados a executar o pagamento previamente. Sem o recolhimento do valor correspondente à penalidade não era possível ingressar com o recurso. Os Cetrans são a instância para onde podem apelar os motoristas que tiveram recursos julgados improcedentes pelas Juntas Administrativas de Recursos de Infrações (Jaris).

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